O
PRINCIPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA E A CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA
O
texto previsto no inciso I, do artigo 150 da Constituição Federal Brasileira,
determina o que segue:
“Art.
150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I
– exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
(...)”
O mencionado
dispositivo constitucional é o chamado princípio da legalidade tributária, que
limita a atuação do poder tributante em prol da justiça e da segurança jurídica
dos contribuintes. Seu advento adjunge-se à temeridade de permitir-se que a
Administração Pública tivesse total liberdade na criação e aumento dos
tributos, sem garantia alguma que protegesse os cidadãos contra os excessos
cometidos.
O princípio da
legalidade tributária nada mais é que uma reverberação do princípio encontrado
no art. 5º, II da Magna Carta Brasileira:
Art.
5º (...)
II
– ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em
virtude de lei;
Precavidamente, o
constituinte quis deixar bem clara a total submissão dos entes tributantes ao
referido princípio, para que não restasse dúvida de natureza alguma. A lei a
que se refere o texto constitucional é lei em sentido estrito (strictu sensu),
entendida como norma jurídica aprovada pelo legislativo e sancionada pelo
executivo, ao contrário da lei em sentido amplo que se entende como qualquer
norma jurídica emanada do estado que obriga a coletividade.
Assim, os tributos só
podem ser criados ou aumentados através de lei strictu sensu, e nunca,
portanto, através de Lei genérica ou, simplesmente, por Edital. Sobre o tema, o
brilhante tributarista Leandro Paulsen (Direito Tributário, 2ª, Edição, Editora
Livraria do Advogado, pág. 130) aduz que:
“Contribuição de
melhoria. Como tributo, depende de lei. Por se tratar de tributo, não há dúvida
de que a instituição de contribuição de melhoria, nos termos do art. 150, I, da
Constituição, dependente sempre de lei.”
Nas palavras de Nestor
Eduardo Araruna Santiago (Primeiras Linhas do Direito Tributário, 1ª. Ed.,
Mandamentos, 2001, p.82), referido princípio “decorre da legalidade
constitucional, pois o legislador constituinte, além de elencar no capítulo
próprio os direitos fundamentais que somente a lei pode vedar certos
comportamentos, determinou ser vedado aos entes tributantes exigir ou aumentar
tributo sem que lei o tenha estabelecido.”
Explicando melhor, o
Doutrinador conclui, citando Sascha Calmon Navarro Coelho, que “Significa dizer
que a tributação deve ser decidida não pelo chefe de governo, mas pelos
representantes do povo, livremente eleitos para fazer as leis.”
Desta ordem, o Código
Tributário Nacional, ao falar sobre a Contribuição de Melhoria, exige
expressamente a necessidade de que a Lei fixe prazo de impugnação aos
interessados e regulamente processo administrativo de instrução e julgamento da
impugnação.
O artigo 82 do Código
Tributário Nacional prescreve que:
Art. 82. A lei
relativa à contribuição de melhoria observará os seguintes requisitos mínimos:
I – publicação prévia
dos seguintes elementos:
a) memorial descritivo
do projeto;
b) orçamento do custo
da obra;
c) determinação da
parcela do custo da obra a ser financiada pela contribuição;
d) delimitação da zona
beneficiada;
e) determinação do
fator de absorção do benefício da valorização para toda a zona ou para cada uma
das áreas diferenciadas, nela contidas;
II – fixação de prazo
não inferior a 30(trinta) dias, para impugnação, pelos interessados, de
qualquer dos elementos referidos no inciso anterior;
III – regulamentação
do processo administrativo de instrução e julgamento da impugnação a que se
refere o inciso anterior, sem prejuízo da sua apreciação judicial.
§ 1º A contribuição
relativa a cada imóvel será determinada pelo rateio da parcela do custo da obra
a que se refere a alínea c, do inciso I, pelos imóveis situados na zona
beneficiada em função dos respectivos fatores individuais de valorização.
§ 2º Por ocasião do
respectivo lançamento, cada contribuinte deverá ser notificado do montante da
contribuição, da forma e dos prazos de seu pagamento e dos elementos que
integraram o respectivo cálculo.
Ao que se observa,
ademais, deverá ser estabelecida a forma de rateio da obra a cada imóvel, em
tese, beneficiado em função dos respectivos fatores INDIVIDUAIS de
valorização, realizados pela obra publica.
Em se tratando de
cobrança de Contribuição de Melhoria faz-se imprescindível a necessidade de
notificação prévia, oportunizando ao contribuinte o prazo para o pagamento do
tributo ou oferta de impugnação.
Isto porque a
notificação do contribuinte objetiva a verificação do atendimento pela
autoridade administrativa das exigências legais na constituição do crédito
tributário, artigos 142 e 145 do CTN, condição prévia e inarredável para
instauração do processo de cobrança daí decorrente.
Com efeito, a doutrina
é assente no sentido de que o lançamento é, como diz o art. 142 do CTN, ato
privativo da autoridade fiscal. Veja-se neste sentido:
“Ainda
quando de fato seja o lançamento feito pelo sujeito passivo, o Código
Tributário Nacional, por ficção legal, considera que a sua feitura é privativa
da autoridade administrativa, e por isso, no plano jurídico, sua existência
fica sempre dependente, quando feito pelo sujeito passivo, de homologação da
autoridade competente.” (Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 12ª
edição, Malheiros, 1997, p 120)”.
Ademais, a notificação
do lançamento ao sujeito passivo importa na constituição definitiva do crédito
tributário, com a abertura de prazo para pagamento ou impugnação, nos termos do
artigo 145, inciso I do CTN.
É cediço que o fato
gerador da Contribuição de Melhoria é a valorização do imóvel, conforme
preceitua o Código Tributário Nacional:
Art. 81 - A contribuição de melhoria cobrada pela
União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de
suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras
públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa
realizada e como limite individual o acréscimo de valor que a obra resultar
para cada imóvel beneficiado.
Desprende-se, também,
do art. 1º do DL 195, de 25.02.1967, expressamente pelo art. 34, § 5º do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias, do art. 18, II da CF de 1967, com
redação dada pela Emenda Constitucional nº 23/83 (Emenda Passos Porto) e do
art. 145, III, da Carta Maior de 1988, que continuam sendo indispensáveis os
requisitos constantes dos arts. 81 e 82 do Código Tributário Nacional (efetiva
valorização).
Aliás, o valor da
contribuição de melhoria cobrada de cada suposto beneficiado deve considerar o
exato e determinado fator de beneficiamento, a valorização de cada imóvel, em
função de fatores individuais, conforme expressa orientação restritiva do
artigo 82 do Código Tributário Nacional.
Araruna Santiago (obra
citada, p. 132), afirma que a contribuição de melhoria “é um tributo
vinculado indireto. Essa característica diz respeito à ocorrência de
valorização imobiliária em decorrência de obra pública patrocinada pelo Estado,
fator que determina seu caráter vinculado e indireto.”
Por sua vez, o
festejado Hugo de Brito Machado, preleciona ainda:
“(...) podemos dizer
que a contribuição de melhoria é um tributo vinculado, cujo fato gerador é a
valorização do imóvel do contribuinte, decorrente de obra pública (...) o fato
gerador da contribuição de melhoria é valorização do imóvel do qual o
contribuinte é proprietário, ou enfiteuta, desde que essa valorização seja
decorrente de obra pública. Prevalece, no Direito brasileiro, o critério do
benefício.
Não é a realização da
obra pública que gera a obrigação de pagar contribuição de melhoria. Essa
obrigação só nasce se da obra pública decorrer aumento do valor do imóvel do
contribuinte.”(Machado,
Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 10ª. Ed. ampl. São Paulo: Malheiros
Editores, 1995. p 333.)
O
ilustre Juiz Federal e Mestre, Leandro Paulsen, em sua brilhante obra (Direito
Tributário, pág. 47, Ed. Livraria do Advogado, 2ª. Edição) assevera que:
“Sendo
a contribuição de melhoria um tributo vinculado a uma atividade estatal
consistente na realização de obra da qual tenha havido valorização do imóvel do
contribuinte a revelar capacidade contributiva, impõe-se que, na estruturação
do aspecto quantitativo da exceção, seja levada em consideração essa melhoria,
ou seja, o incremento verificador do valor do imóvel. Isso tem aplicação na
base de cálculo exação e também serve de parâmetro limitador do ônus
tributário.
-
Base de cálculo. A base de cálculo da contribuição de melhoria não pode ser o
custo da realização da obra somente.
É
indispensável que seja composta de elementos reveladores da valorização do
imóvel.”
A
base do cálculo, portanto, da contribuição de melhoria, é a valorização do
imóvel. É a diferença efetiva entre o valor do imóvel antes do início da
obra e após sua conclusão. A respeito do tema diz Aliomar Baleeiro (
Direito Tributário Brasileiro, 11 ed., Forense, 2001, p. 579):
“[...]
a adoção pelo Direito brasileiro do critério do “benefício” e não do “custo”, o
fato gerador da contribuição de melhoria á a valorização efetiva do imóvel de
que seja o proprietário [...]. A jurisprudência, depois da Emenda
Constitucional Nº 23/83 e da Constituição de 1988, exige a comprovação da
valorização imobiliária, decorrente de obra pública, como pressuposto
legitimador da cobrança do tributo. O Supremo Tribunal Federal, nos RE nºs
115.863; 116.147 e 116.148-5-SP-1993, assim como o STJ, tem rejeitado
lançamentos de contribuição de melhoria sem a demonstração do pressuposto de
valorização do imóvel, dando acolhida aos arts. 81 e 82 do CTN e ao Decreto-Lei
nº 195/67.”
O valor deverá
traduzir um cálculo individual, na busca do benefício também individual de cada
imóvel. O catedrático Mestre Aliomar Baleeiro complementa suas ponderações
sobre a legalidade na cobrança da Contribuição de Melhoria nos seguintes
termos:
A base de cálculo,
coerentemente, será o valor do benefício individual dela decorrente,
globalmente limitada a cobrança pelo custo da obra. Se preferir, pode-se dizer
que a mesma coisa de outra forma: a base de cálculo será o custo da obra, e a
alíquota, a intensidade do benefício individual.” Conforme o ilustre
doutrinador a valorização deve ser objetiva: “O critério ‘valorização’ é
objetivo e capta o benefício no momento em que a mais valia se materializa no
mercado, quando o ganho está indiscutivelmente concretizado, pondo-se de lado
qualquer subjetivismo na avaliação.”( Direito Tributário Brasileiro, 11 ed.,
Forense, 2001, p. 576):
O critério de simples
repartição do custo da obra por medida linear ou de superfície dos terrenos
marginais exclui o critério de justiça, sem a qual se desmoraliza qualquer
tributo.
Em célebre julgado, a
Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o Recurso Especial
n° 280248, do Estado de São Paulo, bem expôs a questão:
DIREITO
TRIBUTARIO. CONTRIBUICAO DE MELHORIA. DEVE A CONTRIBUICAO DE MELHORIA ATENDER
AOS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DA "LEGALIDADE" (ART.150, I) E DA
"ANTERIORIDADE"(ART.150, III,B) FAZENDO-SE NECESSARIO LEI ESPECIFICA
PREVIA, OBRA POR OBRA (NAO BASTANDO LEI GENERICA,DECRETO OU SIMPLES EDITAL), E
NAO PODE ELA ENTRAR EM VIGOR NO MESMO ANO DE SUA PUBLICACAO. O PRESSUPOSTO DA
VALORIZACAO, PREVISTO NO ART.81 DO CTN, PERDEU SUA RAZAO DE SER NO ENSEJO DA
CONSTITUICAO FEDERAL ANTERIOR, QUE, DISPONDO IDENTICAMENTE A DE HOJE (DE
1988),FOI ALTERADA PELA EC N. 23/83, QUE TORNOU INOCUA ESSA EXIGENCIA, DE RESTO
SUJEITA A INCOMODA E QUASE IMPOSSIVEL PROVA. O IMPORTANTE E A OBRA PUBLICA EM
SI, OBJETIVAMENTE CONSIDERADA, NO SENTIDO DE QUE ESTEJA ELA APTA A PROPICIAR
AOS CONTRIBUINTES RESPECTIVOS OS BENEFICIOS A QUE SE PROPOS. DECISAO:NEGARAM
PROVIMENTO AO APELO E, EM REEXAME NECESSARIO, CONFIRMARAM A SENTENCA. (6 FLS.).
(APELAÇÃO
CÍVEL Nº 70000016444, PRIMEIRA CÂMARA DE FÉRIAS CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
RS, RELATOR: ROQUE JOAQUIM VOLKWEISS, JULGADO EM 28/10/1999)
Ademais, conquanto, na
forma do artigo 1° do Decreto-lei n.º 195, de 24 de fevereiro de 1967, que foi
recepcionado pela Carta Constitucional de 1988, o fato gerador da contribuição
de melhoria é o “acréscimo do valor do imóvel localizado nas áreas beneficiadas
direta ou indiretamente por obras públicas”.
Não se diga que,
quando do advento da atual Constituição da República, o Decreto-Lei n.º 195/67
havia se tornado incompatível com a Constituição de 1967 por força da Emenda
Constitucional n.º 23/83. Tal entendimento foi rechaçado pelo Supremo Tribunal
Federal, de que é exemplo o acórdão proferido RE n.º 116.147, Relator Min.
Célio Borja, assim ementado:
RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. Constitucional. Tributário. Contribuição de melhoria. Art. 18,
II, CF/67, com a redação dada pela EC n. 23/83. Não obstante alterada a redação
do inciso II do art. 18 pela Emenda Constitucional n. 23/83, a valorização
imobiliária decorrente de obra pública – requisito ínsito à contribuição de
melhoria – persiste como fato gerador dessa espécie tributária. RE conhecido e
provido.
Dessa
sorte, a cobrança da contribuição de melhoria não decorre apenas do fato da
obra. Isso porque, a contribuição de melhoria não é a contraprestação de um
serviço público incorpóreo, mas a recuperação do enriquecimento ganho por um
proprietário em virtude de obra pública concreta no local da situação do
prédio, devendo, contudo, para quantificar o valor do imposto, ficar comprovado
o efetivo índice de valorização imobiliária.
Dr. Eduardo Bueno